A caverna e a Caixa

Segundo Sócrates todos os nossos sentidos mantém uma relação direta com o que sentimos. Não ocorrendo o mesmo quanto à visão, pois para que esta aconteça não basta ter olhos ou a faculdade da visão, nem mesmo as cores que desenham a figura, o volume e outras qualidades ao que vemos. Faz-se necessário um terceiro elemento que permita aos olhos ver, e às coisas serem vistas. Terceiro elemento este que não é o olho, não é a cor, nem é a coisa a ser vista, mas que é essencial para tornar algo visível. Este faz com que o olho veja a cor e que a cor seja vista pelo olho. Este elemento é a luz. É como se a cor fosse filha da luz e os olhos fossem filhos do sol. As luzes iluminam as coisas tornando-as visíveis.

Percebo aqui uma visão tanto passiva quanto ativa. Ativa porque é a luz do olhar que as torna visíveis, e passiva porque os olhos a recebem do sol. O mesmo se dá com os olhos da alma e os da inteligência.  Assim como na treva não há visibilidade, na ignorância não há verdade.

A relação com A verdade se dá no compasso dessa dinâmica ativa e passiva. Ativa em subir a caverna em busca da luz e passiva em aceitá-la, permiti-la.

A caverna de Platão, na narração de Sócrates a Glauco, hoje me lembra a tal “caixa”. Esta talvez seja a versão pós moderna da outra.

Ambos ambientes escuros e aprisionantes, mantém indivíduos à mercê de uma realidade ilusória projetada por sombras e ecos onde nada é efetivamente visto. Confusão esta que não é resultado da natureza humana, mas tão somente fruto do ambiente onde estão de profunda obscuridade. Ali tomaram sombras por realidade, tanto as sombras das coisas e dos homens exteriores como as sombras dos artefatos produzidos por eles.

O primeiro passo pra sair dali é saber que se “está” lá. Os primeiros passos são talvez os mais difíceis devido ao caminho ser ingrime e rude. Porém os efeitos pós caverna ou caixa são similares: A cegueira pela luminosidade do sol com o qual os olhos não estão acostumados, depois as dores no corpo causadas pelos movimentos realizados pela primeira vez seguido pelo ofuscamento dos olhos sob a ação da luz extrema.

Depois vem o sentir-se dividido entre a incredulidade e o deslumbramento.

O primeiro impulso será retornar à caverna, ou à caixa pra se livrar da dor e do espanto. Se sentirá atraído pela escuridão pois esta lhe parecerá acolhedora. Afinal, aprender a ver é um processo doloroso. Vai desejar estar de volta, onde tudo lhe era familiar e conhecido.

Mas aos poucos vai habituar-se à luz, e começará a ver o mundo. Vai se encantar e desfrutar da felicidade de ver as próprias coisas. Vai perceber o quanto esteve aprisionado. Talvez tenha sido uma vida toda. Vai lutar com unhas e dentes pra nunca mais retornar àquele lugar. Porém (digo ainda inspirada pelo Mito de Platão), vai lastimar a sorte dos que ficaram lá, e talvez aí venha uma das mais difíceis decisões de sua vida.

Engana-se quem pensa que nada é mais difícil que sair da caverna ou da caixa. Ainda mais árduo será regressar ao subterrâneo sombrio para contar o que viu e convencê-los a sair pra fora.

Este sim é o caminho não apenas penoso, mas INGRATO, pois quem vê a luz e se relaciona com a verdade tem dificuldade em lidar de maneira hábil com a multiplicidade de opiniões e em se mover com engenho no interior das aparências e ilusões.

Tanto a subida quanto à descida é a violência necessária para a liberdade. A primeira não é suficiente sem a segunda. Faz-se necessário sempre, um segundo olhar sobre nós mesmos. A ascensão é difícil, dolorosa, quase insuportável, porém gloriosa, libertadora. E é no retorno ingrato que nossa liberdade é testada e nosso conhecimento é provado. Aqui faz-se necessário o auto conhecimento e o entendimento acerca do fim. Aqui estão os verdadeiros riscos. A vulnerabilidade à flor da pele e toda a humanidade exposta em carne e osso.

Sem dúvida sair da caverna ou da caixa é um ato de grande bravura, mas tornar-se prisioneiro uma vez mais é a afirmação da mais cristalina liberdade, é o abster-se de si mesmo.  Esse ingrato caminho que contraria a felicidade da ascensão contradiz com a natureza contemporânea que se julga humana mas que contraria a si mesma quanto natureza, tornando deficiente esse trabalho para concretizar um fim, reduzindo-o a uma conquista individual.

Portanto, seja na saída ou já fora da caverna ou da caixa, busquemos a essência de nossa natureza que segundo A verdade, ainda que se incline para o que é tão somente seu e busca sua realização no Um, se dispõe a ver e conhecer a luz que abre os olhos e lança um olhar tão profundo em si mesmo a ponto de se permitir voltar em busca não do outro, mas do próximo.

– Inspirado na “Alegoria da Caverna” escrito por Platão na obra intitulada “A República” (livro XII). Vale a pena debruçar-se sobre esta alegoria.

– PRÉ-SOCRÁTICOS, Col. “Os Pensadores”